Vingança é um prato que se come frio, diz o ditado
popular. O sabor desse prato não é amargo e nem salgado, mas doce,
segundo pesquisa realizada por neurocientistas suíços que se basearam em
tomografias cerebrais.[1]
A pesquisa, liderada pelo Professor
Dominique de Quervain, da Universidade de Zurique, consistiu em uma
atividade realizada com duplas. Afirmando que se tratava de um estudo
econômico, quinze estudantes do sexo masculino e de idade entre 20 e 30
anos se submeteram a um jogo que envolvia trocas monetárias.
Nesse
jogo, um dos jogadores (A) podia conceder todo o seu dinheiro ou parte
dele a seu par (B), o qual poderia devolver parte do que recebeu ou
nada. Caso o primeiro jogador resolvesse dar todo seu dinheiro, sua
verba poderia ser multiplicada quatro vezes e o jogador B poderia
dividir sua recompensa com A. O primeiro jogador teria motivação
suficiente para dar todo seu dinheiro a B, uma vez que ambos poderiam
sair beneficiados. Caso B se recusasse a dividir o montante, A poderia
se vingar de seu par, contanto que pagasse por isso.
Enquanto os
jogadores passavam pelo evento, tomografias por emissão de pósitrons
registravam a atividade cerebral deles, sendo possível verificar um
claro padrão de atividade nos gânglios de base dorsal – área cerebral
envolvida na sensação de prazer – quando um jogador penalizava o outro
por ter sido egoísta. Os resultados da pesquisa mostraram que, as
pessoas possuem uma sensação de auto satisfação e de prazer quando se
vingam.
A vingança e a psicologia
Segundo a psicóloga
Milena Frankfurt, o desejo de se vingar é algo inerente do ser humano,
entretanto, o ato de se vingar e como se vingar “é particular e
especifico de cada pessoa. Está bastante relacionado com a capacidade de
perdoar que a pessoa exerce ou não durante a sua vida.”[2] A fim de
mostrar a naturalidade desse sentimento, Milena comenta que, todos “nós
já imaginamos aquela pessoa que nos feriu se machucando de alguma
maneira, mesmo que em fantasia”.
Saber lidar com as frustrações da
vida é um fator preponderante na visão psicológica sobre esse assunto.
Pessoas rancorosas tendem a imaginar com mais frequência atos
vingativos, sem necessariamente executar o que está em suas mentes. Em
outros casos, acontece a autoflagelação psíquica, na qual a pessoa
ofendida usa toda a energia de sua amargura contra si mesma, vivendo
estágios de depressão, transtornos alimentícios e/ou problemas
psicossomáticos.
Na sociedade hodierna conseguimos verificar esse
tipo de comportamento em situações ocorridas na dissolução de um
casamento ou nas brincadeiras de crianças que outrora eram taxadas como
pueris, isto é, típico do período compreendido entre a infância e a
adolescência.
No primeiro caso, atitudes vingativas começam a
brotar quando o casamento não vai bem e os pais usam os filhos para
servirem de arma um contra o outro. Depois de consumado o divórcio, as
coisas tendem a piorar. Usualmente um dos ex-cônjuges, inconformado com a
separação, passa a difamar, desmoralizar e/ou criar descrédito sobre a
figura da outra parte para o(s) filho(s). Esse processo é chamado de
Síndrome da Alienação Parental (SAP) e apesar de produzir satisfações
esporádicas a quem pensa se vingar, prejudica a formação dos filhos.[3]
O
caso das brincadeiras de crianças já foi tratado como algo tão comum na
vida humana, que chegou a ser comparado como uma passagem para a vida
adulta[4]. Gozações com o mais gordinho da turma, o mais alto, o mais
magro, o mais narigudo, etc, fizeram parte da infância de todas as
pessoas. Até o profeta Eliseu passou por essa situação constrangedora
quando os meninos gritavam repetidamente “sobe calvo” (2 Rs 2.23).
Todavia, as consequências desses
bullyings
– baixa autoestima, baixo rendimento, estresse, introspecção, timidez,
ansiedade e agressividade, dentre outros – têm despertado a atenção de
estudiosos para outro rumo. Essas consequências podem evoluir para
estágios ainda mais graves e gerar transtornos psicopatológicos
profundos, tais como fobias, pensamentos suicidas, depressões e desejos
de vingança.
É o caso trágico do massacre em Realengo que chocou o
Brasil em 2011. Wellington Menezes de Oliveira entrou na Escola Tasso
da Silveira e matou 12 crianças, além de ferir outras 12. Em um dos
vídeos encontrados pela polícia, o atirador dizia que sofria
bullying
e justificou seu ato criminoso dizendo: “que o ocorrido sirva de lição,
principalmente para as autoridades escolares, para que descruzem os
braços diante de situações em que alunos são agredidos, humilhados,
ridicularizados, desrespeitados”.[5]
A Vingança na Justiça brasileira
Nos
vários casos noticiados pela mídia brasileira, podemos ver o desejo de
punição das pessoas quando algo trágico acontece, principalmente quando o
veículo de informação é um canal que abusa do sensacionalismo.
Normalmente essa punição está associada ao desejo de vingança. Há uma
linha muito tênue entre uma e outra.
Este sentimento vingativo é
constantemente visto nas produções hollywoodianas, nos mais variados
filmes e seriados e possui grande aceitação do público. Muitas tramas
seguem o mesmo tipo de raciocínio: alguém faz algum tipo de mal para
alguma família e quem foi prejudicado resolve se vingar do ocorrido.
Muitos telespectadores ficam torcendo para que a vingança ocorra com
êxito.
No filme “Tempo de Matar”, é difícil não haver
identificação (empatia) entre o personagem que se vinga e quem o
assiste. O longa, além de possuir um dos melhores diretores de cinema
dos EUA, Joel Shumacher, e um elenco de primeira (Samuel L. Jackson,
Sandra Bullock, Mathew McConaughey, Oliver Platt e Kevin Spacey),
consegue estimular o senso de justiça (para não dizer senso de vingança)
que há em cada ser humano.
A história se passa em Canton,
Mississipi. Dois homens brancos espancam e estupram uma menina negra de
dez anos. Os estupradores foram presos, mas teriam o valor de fiança
decretada no tribunal. O pai da garota, Carl Lee Hailey (interpretado
por Jackson), fica atônito e desesperado, e resolve fazer justiça com as
próprias mãos, matando-os na frente de todos e vingando-se do ato cruel
que eles cometeram.
Embora sua sede de vingança tenha sido
saciada, Hailey é preso e enfrenta um julgamento complexo por conta de
seu duplo assassinato. O filme é capaz de dividir a opinião dos
telespectadores, afinal, estamos de frente de um caso trágico que se
finalizaria com impunidade e ao mesmo tempo diante de um ato criminoso
de justiça feita com as próprias mãos. Dificilmente quem assiste o filme
não torce para que Hailey seja absolvido.
No Direito Brasileiro, a
autotutela, chamada popularmente de “justiça com as próprias mãos”, é
crime previsto no Artigo 345 do Código Penal Brasileiro, mas podemos
encontrar algumas exceções (excludentes de ilicitude), como nos casos
que se seguem:
I – Em casos como o do Movimento Sem Terra (MST),
nos quais pessoas tentavam se apossar de alguma propriedade, o possuidor
tem direito de se manter no local, usando até mesmo de força própria,
contanto que essa resistência não ultrapasse o necessário à manutenção
ou restituição da posse (Artigo 1.210 do Código Civil de 2.002);
II
– Qualquer pessoa pode efetuar voz de prisão caso se depare com alguém
em flagrante delito (Artigos 301 e 302 do Código de Processo Penal);
III
– De acordo com o Artigo 23 do Código Penal Brasileiro, não há crime
quando o agente pratica o fato em quatro circunstâncias: 1) em estado de
necessidade (detalhado no Artigo 24), 2) em legítima defesa (detalhado
no Artigo 25), 3) em estrito cumprimento de dever legal ou 4) no
exercício regular de direito.
Origens do sentimento de vingança
O
sentimento de vingança, bem como o comportamento agressivo, tem sua
gênese, segundo a psicologia, primeiramente no instinto do homem. Além
disso, fatores como a aprendizagem, aspectos situacionais, frustrações e
provocações, contribuem para a execução desses atos. Essas posições não
levam em conta fatores de personalidade, fisiológicos e
sociológicos.[6]
A exemplo do filme supracitado, os moradores do
bairro Cidade Tiradentes, Zona Leste de São Paulo, invadiram, depredaram
e picharam um imóvel do local.[7] O motivo seria a indignação da
população após o estupro e morte de Angélica Barbosa Romasco, de oito
anos. A menina brincava na frente de casa na noite do dia 15 de Maio
deste ano. Seu corpo foi encontrado algum tempo depois em um terreno
baldio do bairro, com várias perfurações e hematomas no corpo.
O
estuprador desfigurou o rosto da menina com um alicate e usou uma chave
de roda para matá-la. Andreus Vieira Batista, que já conhecia a criança,
bem como a família, confessou o crime e não mostrou sinais de
arrependimento, quando preso no dia 17 de Maio.
Movidos por
fatores de frustrações, os moradores do bairro destruíram o imóvel onde o
criminoso residia no dia 18 de Maio, numa clara demonstração de
inconformismo e descrença em relação ao poder de punir do Estado.
Outra
possível porta de entrada para os atos agressivos e consequentes
sentimentos vingativos pode estar na sala de nossa casa. Somos atraídos
por filmes de ação, de lutas, policial e de suspense. A presença de
armas e de violência física, emocional e verbal está constantemente
presente nessas categorias de filmes, os quais estão à disposição de
toda faixa etária, inclusive das crianças, apesar da censura. De acordo
com alguns estudos[8], esses tipos de cenas podem trazer influências
comportamentais nas pessoas, como insensibilidade frente a atrocidades,
imitação do modelo cinematográfico e atitudes violentas como resposta às
frustrações.
Além dos milhares de filmes que instigam o
sentimento vingativo, existem outras programações televisivas que fazem
sucesso com esse mesmo tipo de trama. No Brasil não faltam novelas
(nacionais e mexicanas) e séries importadas dos EUA. Todos esses
programas retratam os fatores citados acima, que originam o sentimento
vingativo, seja no triângulo amoroso da novela, na lembrança que o
lutador tem em sua luta final do filme ou nas histórias das séries
americanas.
Por falar em série, recentemente a maior emissora de
TV brasileira começou a transmitir um seriado que conquistou um dos
maiores índices de audiência estadunidenses.
Revenge, que no português significa “Vingança”, é uma série baseada no livro “O Conde de Monte Cristo”, de Alexandre Dumas.
O
seriado global conta a saga vingativa de Amanda Clarke, alguém que
perdeu o pai e a infância depois de uma conspiração. David Clarke, seu
pai, foi acusado injustamente de terrorismo e morto na prisão para que a
verdade permanecesse oculta enquanto Amanda passou a infância numa casa
de detenção juvenil. Assim que completou dezoito anos, ela foi solta,
recebeu sua herança e uma caixa com informações sobre as pessoas que
armaram para seu pai. Decidida a se vingar dessas pessoas, ela muda seu
nome para Emily Thorne e volta a sua antiga cidade, Hamptons.
Os
principais conspiradores seriam o casal Conrad e Victoria Grayson –
antigo patrão e antiga amante de David – mas no desenrolar dos episódios
percebe-se que eles são apenas a ponta do iceberg. Para concluir sua
vingança, Amanda conta com o apoio de seu amigo bilionário, Nolan Ross,
um gênio da espionagem e da vigilância eletrônica, e de sua melhor
amiga, Ashley Davenport, que trabalha para os Graysons.
A série é
produzida pela emissora norte-americana ABC e já está com sua terceira
temporada agendada nos EUA, além de vir mantendo altos índices de
audiência. No Brasil a primeira temporada estreou em 14 de Abril desse
ano. De acordo com o site oficial,
Revenge não é uma história sobre perdão, mas um show sobre retribuição.[9]
O lado bom da TV
Mas
nem tudo no cinema é ruim. Existem alguns filmes que dramatizam muito
bem a atitude oposta à da vingança: o perdão. Dentre os poucos filmes,
podemos destacar pelo menos dois: “O Poder da Graça” e “Graça e Perdão”,
lançados em 2010 e 2011, respectivamente.
Em “O Poder da Graça”,
vemos Mac McDonald, um policial que perdeu seu filho num acidente ser
transformado pela Graça de Deus. O menino morreu atropelado por bandidos
enquanto andava de bicicleta na calçada de casa e essa tragédia trouxe
grandes revoltas no pai do menino que não conseguiu superar a ira e
sentimentos vingativos por vários anos. Sua vida se tornou rancorosa e
amargurada, o que lhe impediu inclusive promoções no departamento de
polícia. Embora ele fosse mais experiente, viu seu companheiro assumindo
o posto de Sargento, o qual passou a ser seu parceiro.
Em casa as
coisas também não iam bem. Seu relacionamento com a esposa era péssimo,
pois sua amargura lhe fazia ataca-la com palavras revestidas de ódio.
Seu filho mais novo não tinha um pai amigável, com quem podia conversar e
ia muito mal na escola. Tudo parecia terrível naquela família e depois
de uma discussão entre pai e filho, o rapaz se ajuntou com alguns
ladrões num assalto a uma loja. O pai, em seu serviço policial, foi até o
local e atirou no próprio filho sem saber que era ele. Seu parceiro,
que era pastor, ofereceu-lhe um ombro amigo enquanto via-o arrasado, mas
recebeu palavras iracundas e racistas, ainda recheadas de amargura e
agora de culpa, pelo tiro que deu no próprio filho.
O poder da
Graça é mostrado em duas situações: primeiramente na cirurgia que o
rapaz precisou ser submetido. Um de seus rins não funcionava e o outro
que era normal teria que ser retirado, pois foi baleado. Se não
encontrasse um doador, corria risco de morte. Nesse ínterim é que o
Sargento Wright, pastor e parceiro de McDonald se dispõe a doar um de
seus rins para ajudar o filho de seu colega. Essa atitude mexeu com o
policial durão e o levou a ter um encontro com Cristo.
O segundo
ato de Graça do filme se dá no final dele. Um dos homens que dirigia o
carro que atropelou o menino foi preso, converteu-se a Jesus e queria
pedir perdão aos pais do garoto, mas não conseguia chegar até eles. Um
dia, quando o casal estava na igreja, o homem consegue entrar e pedir
perdão aos pais do garoto. Somente um coração quebrantado pela Graça de
Deus poderia retribuir o mesmo favor divino de perdoar a quem o havia
ofendido.
Já o filme “Graça e Perdão” mostra a dificuldade do ser
humano em perdoar. O longa é baseado em fatos reais e conta como um
homem entrou numa escola de uma comunidade Amish no dia 02 de Outubro de
2006. Nessa ocasião, o homem matou cinco meninas e deixou outras cinco
em estado crítico. Logo em seguida, ele se matou.
As pessoas que
perderam as filhas perdoaram o assassino e se mobilizaram para ajudar a
família do atirador. Todavia, uma das mães não conseguiu perdoa-lo tão
facilmente assim. Ela sabia do que a Palavra de Deus diz. Seu marido e
sua comunidade conseguiam praticar o perdão, mas ela não estava tendo
forças para isso, até que ouve o relato de como sua filha reagiu antes
de morrer, liberando Graça e Perdão sobre a família do homem que a fez
esse terrível mal.
A Vingança e a música
Até mesmo as
músicas possuem o tema presente em suas letras. No meio secular podemos
fazer algumas citações. Lupcínio Rodrigues, compositor que marcou as
décadas de 30 a 50, buscava em sua própria vida inspirações para suas
canções. Ele acreditava que um homem devia ter uma mulher em casa e
várias outras na boemia. Dessa forma, suas músicas eram constantemente
baseadas em suas experiências extraconjugais, como é o caso da música
“Vingança”.
Lupcínio foi traído por uma de suas amantes, cujo nome
era Mercedes.[10] Em um desabafo a respeito desse ocorrido, ele escreve
“Vingança”, que foi gravada por Linda Baptista em 1951. A canção fez
grande sucesso no Brasil e até mesmo no Japão.
Nessa música, ele
descreve como gostou quando ficou sabendo que encontraram sua ex-amante
em um bar, bebendo e chorando. Perguntaram-na sobre ele, mas a resposta
não saiu porque um soluço cortou sua voz. A canção é finalizada com o
sentimento vingativo extenuado em suas letras: “Mas, enquanto houver
força em meu peito, eu não quero mais nada. Só vingança, vingança,
vingança. Aos santos clamar, ela há de rolar como as pedras que rolam na
estrada, sem ter nunca um cantinho seu pra poder descansar.”
Essa
música lhe rendeu um bom dinheiro e Lupcínio comprou um carro, o qual
batizou pelo nome homônimo da canção. Essa mesma composição já foi
interpretada por outros grandes nomes da música brasileira, como Maria
Bethânia e Nelson Gonçalves.
Numa música mais recente, Sorocaba,
que faz dupla com Fernando, mostra um dos motivos pelos quais algumas
pessoas acabam traindo o cônjuge: “A Vingança” (nome da música).
Determinada mulher tomou seu banho, vestiu-se com a melhor roupa,
perfumou-se, tomou um gole de whisky, fumou seu cigarro, pegou as chaves
do carro e saiu para se vingar: “É hoje que ela vai se vingar, que ela
vai se entregar. Vai ficar com o primeiro que ver (…) A vingança vai
doer”.
Até mesmo letras religiosas não escaparam desse tema. Certa
música interpretada pela cantora gospel, Damares, relata o período de
adversidade que enfrentamos. Muitas vezes, nesses momentos em que
precisamos de ajuda, as pessoas se afastam e nos sentimos mal com isso:
“Quem te viu passar na prova e não te ajudou, quando ver você na benção
vão se arrepender, vai estar entre a plateia e você no palco (…) Quem
sabe no teu pensamento você vai dizer: meu Deus, como vale a pena a
gente ser fiel. Na verdade a minha prova tinha um gosto amargo, mas
minha vitória hoje tem sabor de mel.”
Não é fácil enfrentarmos
acusações injustas, difamações e maledicências. Muitas pessoas não sabem
lidar com essas situações e acabam nutrindo um sentimento vingativo
contra quem o fez. Na música gospel “Estou de Pé”, Rose Nascimento
interpreta o desejo que se passa no coração de muita gente, o de mostrar
para aquela pessoa que estamos por cima e não por baixo: “Vai lá e pega
quem falou da minha vida, avisa que eu Estou de Pé. E quem contou o fim
dos meus dias, avisa que eu Estou de Pé (…) Vai ter até quem não
acredita e avisa que Estou de Pé”.
Seria interessante se
descobríssemos alguma canção que se baseasse em Mt 5.44 ou Lc 6.28:
“Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem”. “Bendizei
aos que vos maldizem, e orai pelos que vos caluniam”. Será que
encontramos?
Como as religiões enxergam a vingança?
As
primeiras civilizações buscaram formas de se organizarem e uma delas era
através das leis civis. Quando alguém cometia algo que desonrava a
ética de determinado povo, deveria haver uma punição. Embora punição e
vingança pareçam coisas muito distintas, elas estão mais próximas do que
podemos imaginar. A punição é o que satisfaz quem sofreu prejuízo. A
impunidade gera desejos de fazer justiça própria, o que leva à vingança.
Uma
das formas mais antigas de punição é o da Lei de Talião, uma relação
recíproca entre o crime e a pena, o famoso “olho por olho, dente por
dente”, cujos primeiros indícios são encontrados no código de Hamurabi e
na Lei de Moisés. Juntamente com suas leis civis, havia os conceitos
religiosos. Vejamos como as principais religiões enxergam o tema
vingança.
O Budismo ensina que, todas as ações “são comandadas pela mente:
a mente é o senhor delas, a mente é quem as fabrica”. Dessa forma, não
se devem abrigar pensamentos hostis, de coisas que maltrataram,
golpearam, derrotaram ou roubaram no passado, pois “aqueles que abrigam
pensamentos como esses a raiva nunca será apaziguada”, uma vez que “a
raiva nunca é apaziguada com outras ações enraivecidas, ela é apaziguada
pela não-raiva”. Para o budismo, essa é “uma lei imutável e atemporal”
(Dhammapada 1.3-5).
O islamismo ensina no Alcorão que, “se
tiverdes que vos vingar vingai-vos na medida em que fostes agredidos. E
se tolerardes com paciência, melhor será para vós” (Surata 16.126). Além
disso, faz alusão à lei de Talião: “Ó vós que credes, a pena do talião é
prescrita contra quem infligir à morte: homem livre por homem livre,
escravo por escravo, mulher por mulher” (Surata 2.178b).
Embora
haja personagens e vários deuses vingativos em seus escritos sagrados, o
hinduísmo, de uma forma genérica, também não incentiva a prática da
vingança. Como esta é mais uma religião que crê em reencarnações e no
Karma, a prática de se vingar formaria um ciclo interminável de mortes e
nascimentos para aquele que o faz. Para os hindus, portanto, levar uma
vida pacífica e de boas ações é melhor. Um trecho do Thirukural diz que,
“perdoar ofensas é sempre bom, esquecer-se delas, traz ainda mais
louvores” e que “aqueles que ferem os outros vingativamente são inúteis,
enquanto aqueles que suportam estoicamente são como o ouro guardado”
(Thirukural 152, 155).
O Taoísmo ensina uma busca de paz interior,
de equilíbrio entre as coisas. Os três tesouros dos ensinamentos de Lao
Tsé são a humildade, a simplicidade e a afetividade. Encontramos no
capítulo 3 do
Tao Te Ching, principal obra do Taoísmo, uma
amostra do que seria a entrada dos males na vida humana: “Não
valorizando os tesouros, mantém-se o povo alheio à disputa. Não
enobrecendo a matéria de difícil aquisição, mantém-se o povo alheio à
cobiça. Não admirando o que é desejável, mantém-se o coração alheio à
desordem”. O homem sagrado, isto é, o homem que consegue unir a
consciência pura com a vida infinita, deve esvaziar o coração de
intenções, razões e emoções e encher-se de vitalidade. Dessa forma, ele
não viverá na perversidade e evitará contendas.
O confucionismo foi influenciado pelo taoísmo e ensina princípios humanistas. Em sua doutrina maior,
Jen,
a prática da cortesia, complacência, bondade e benevolência são
incentivadas, sendo, portanto, contrária a atos vingativos e violentos.
Na obra doutrinal do confucionismo, “Os Analectos”, podemos ver esses
ensinos: “…Existe uma palavra que possa guiar toda a nossa vida? (…) Não
seria reciprocidade? O que não desejas para ti, não faça aos outros”
(15.24). Ele ensina, ainda, que, “um homem sem humanidade não poderia
viver por muito tempo na adversidade nem poderia conhecer a alegria por
muito tempo. Um homem bom apoia-se em sua humanidade, um homem sábio
beneficia-se de sua humanidade” (4.2), pois “se ele sobrevive sem isso é
pura sorte” (6.19).
Para Alan Kardek, quem se vinga é “cem vezes
mais culpado do que o que enfrenta seu inimigo o insulta em plena face”.
O ato vingativo para ele, é como um costume selvagem, por isso, “Todo
espírita que ainda hoje pretendesse ter o direito de vingar-se seria
indigno de figurar por mais tempo na falange que tem como divisa: Sem
caridade não há salvação!” e que o espírita não deve “ceder ao impulso
da vingança, senão para perdoar”.[11]
Existe, ainda, a posição das
religiões-afro frente às atitudes de vingança. Há livros no mercado que
ensinam como prejudicar outras pessoas através de feitiços e
encantamentos[12]. Alguns desses feitiços seriam: colocar uma pessoa
louca, destruir, arruinar, colocar feridas, trazer separações
matrimoniais, fazer perder tudo o que tem, fazer ir embora, fazer
vingança e até mesmo matar.
E o cristianismo, o que diz? Vejamos a seguir.
A vingança no Antigo Testamento
Freud
entendia que o sentimento de vingança é instintivo no homem, mas de
acordo com a Bíblia, esse sentimento faz parte da depravação total, da
natureza decaída do homem, da nossa herança na queda de Adão (Rm 5.12).
Depois da queda, o homem passou a viver com tendência para o mal, nossa
natureza foi corrompida e se tornou propensa para o pecado. Sproul disse
que não somos pecadores porque pecamos, mas que pecamos porque somos
pecadores, pois herdamos de Adão uma condição corrupta de
pecaminosidade.[13]
Foi essa tendência que levou Caim a matar o
próprio irmão. Movido de ciúmes, ele não quis ouvir a voz de Deus, que o
advertiu a se dominar desse impulso repugnante, mas cedeu a suas
inclinações carnais (Gn 4.7).
Devemos repreender nossos filhos e
até castiga-los quando necessário (Pv 13.24; 22.15; 23.13,14). Todavia,
deve haver controle emocional para que a punição não se torne em
vingança. A repreensão é para correção e não para autossatisfação. Noé
não se conteve e acabou usando de palavras imprecatórias contra seu neto
Canaã (Gn 9.22-27).
Assim como Caim e Noé, temos vários outros
exemplos de pessoas que agiram impulsionadas por suas emoções na Bíblia.
Entretanto, o motivo desses casos serem narrados não é para que os
copiemos e sim para que aprendamos com essas falhas e busquemos fazer o
certo diante de Deus.
Embora haja casos de fracassos, há também
casos onde a vingança foi derrotada. Esaú nutriu o desejo de matar seu
irmão por vários anos. Só de Jacó pensar em Esaú quando retornava para
sua terra, ele sentia frio na espinha. O ódio que estava alojado no
coração de Esaú foi quebrado quando os irmãos se reencontraram e a
vingança deu lugar ao quebrantamento (Gn 33.1-4).
Do mesmo modo,
José, um dos filhos de Jacó, poderia ter agido vingativamente contra
seus irmãos depois das terríveis experiências às quais foi submetido: os
irmãos debocharam dele, tiveram ciúmes e quiseram mata-lo. Jogaram-no
numa cisterna e depois resolveram vende-lo como escravo, como se José
fosse um pedaço de pão. Quando se reencontrou com os irmãos
aproximadamente vinte anos mais tarde, não ficou remoendo as coisas do
passado, mas perdoou-os. De sua vida podemos tirar lições
magníficas.[14]
Isso sem falar de Davi, que foi perseguido
injustamente por Saul inúmeras vezes. Davi chega a descrever a sensação
de ser perseguido em alguns de seus salmos. Ele até teve oportunidade de
se vingar de Saul pelo menos duas vezes, mas não o fez, pois entendia
que essa causa deveria ser julgada por Deus e não por ele (1 Sm 24; 26).
Temos,
ainda, na Antiga Aliança, exemplos de contramedidas criadas por Deus a
fim de evitar a propagação de vinganças sistêmicas. No caso de Caim,
foi-lhe posto um sinal “para que não o ferisse quem quer que o
encontrasse” (Gn 4.15). Com o advento da Lei, as punições objetivavam
reciprocidade, evitando impunidade e reincidência. A máxima da Lei era
vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé
(cf Dt 19.20,21). Caso houvesse morte por legítima defesa, a pessoa que
matou deveria ficar exilada em uma cidade de Refúgio até a morte do Sumo
Sacerdote, a fim de evitar novas vinganças (Nm 35).
A vingança no Novo Testamento
Encontramos
no Novo Testamento fortes referências sobre como lidar com os
sentimentos vingativos. Os ensinos de Jesus começam logo em Suas
primeiras palavras. Das nove bem aventuranças, podemos dizer que quatro
dizem respeito a comportamentos opostos ao sentimento exposto: humildes
de espírito, mansos, misericordiosos e pacificadores (Mt 5.3,5,7,9).
Ainda
no sermão da montanha, Jesus explica que, embora a Lei de Moisés
ensinasse o olho por olho, dente por dente, o plano divino é que não
sejamos vingativos. Ao invés de respondermos na mesma moeda, devemos
“dar a outra face” (Mt 5.39-41). Semelhantemente, Paulo ensina que não
devemos responder o mal com mal, mas até mesmo ajudar aqueles que nos
perseguem (Rm 12.20,21).
Em outras palavras, se alguém gritar com
você, não há necessidade de revidar com gritos, pois a “resposta branda
desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira” (Pv 15.1). Quando a
pessoa revida a grosseria, acontece o interminável efeito pingue-pongue.
Apesar
da dificuldade humana, a melhor resposta para vencer a vingança é
exercendo o perdão. Na parábola do credor incompassivo, Jesus mostra a
necessidade de perdoarmos nossos semelhantes, pois as ofensas
horizontais (entre os homens) não se comparam com nossas dívidas
verticais (contra Deus).
Essa parábola foi proposta como
ilustração para a dúvida de Pedro: “Senhor, até quantas vezes pecará meu
irmão contra mim, e eu hei de perdoar? Até sete? Respondeu-lhe Jesus:
Não te digo que até sete; mas até setenta vezes sete” (Mt 18.21-22). Se
Deus nos perdoou de uma dívida impagável, quem somos nós para negarmos o
perdão às pessoas?
Esta doutrina está inserida na oração modelo
que Jesus ensinou a seus discípulos (Mt 6.12-15) e pode ser vista também
na teologia paulina (Ef 4.32). Ao invés de agirmos reativamente,
obedecendo aos instintos de nossa natureza caída, devemos agir
pró-ativamente, de forma pacífica, evitando intrigas, dissensões,
facções, contendas e vinganças (cf Rm 12.18; Hb 12.14).
Questionado
sobre qual era o maior mandamento da Lei, Jesus respondeu que o
primeiro maior é amar a Deus de todo coração, alma e entendimento,
fazendo alusão a Dt 6.5. Complementando a resposta, o Messias ainda
deixou espaço para o que considerou o segundo maior: “Amarás ao teu
próximo como a ti mesmo” (Mt 22.39). Este segundo maior mandamento está
registrado em Lv 19.18: “Não te vingarás nem guardarás ira contra os
filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo.” (Lv 19.18
– grifos meus).
Apesar de tudo isso, não é tão simples assim amar
ao próximo quando este nos fere sobremaneira. Não é fácil para um pai
amar um homem que matou seu filho maliciosamente, ou para uma mãe
perdoar alguém que tenha estuprado sua filha. O que fazer nessas
circunstâncias? Como amar este inimigo? O conselho bíblico é para que
“se for possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens.
Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira de Deus,
porque está escrito: Minha é a vingança, eu retribuirei, diz o Senhor”
(Rm 12.18,19).
Um dos meios pelos quais Deus executa esta vingança
é através da justiça humana. Ele usa as autoridades competentes para
que os homens sejam julgados (Rm 13.1-4). Embora nem sempre esses órgãos
executem as leis com eficácia e algumas leis nem sequer pratiquem uma
verdadeira justiça, nada escapará do juízo vindouro de Deus. Neste
juízo, a punição será o sofrimento, a perdição eterna e o banimento da
presença do Senhor (2 Ts 1.4-10). Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus
vivo (cf Hb 10.26-31).
Considerações finais
A vingança
está presente nas mais variadas áreas da vida. Podemos encontra-la nos
contos infantis, desenhos animados, artes, filmes, seriados, histórias
em quadrinhos, novelas, mitologias, religiões, músicas, livros,
esportes, jornais, história, sociedades, etc. Apesar de encontrarmos
seus efeitos no externo, a vingança procede do interno (Mt 15.19,20).
A
vingança pode até produzir prazer, pode até ser um prato que se come
frio, pode até parecer saborosa, quem sabe até tenha sabor de mel?
Apesar de tudo isso, ela não é a melhor resposta e certamente causará
indigestão.
Quem ocupa a mente com vingança, sofrerá danos
físicos, emocionais e espirituais. Físico porque a pessoa estará mais
suscetível a outros tipos de doença, pois a liberação de cortisol no
organismo reduzirá a defesa do organismo. Emocional porque o indivíduo
estará amontoando lixo em seus pensamentos e não terá uma mente sã. E
espiritual porque existirá sempre uma pedra de tropeço atrapalhando o
crente em sua santificação e comunhão com Deus (Hb 12.14). Isso sem
falar nos prejuízos sociais.
Ao invés de “pré-ocupar” a mente com
vinganças, “pensai nas coisas lá do alto” (Cl 3.2). É melhor trazer à
memória o que nos dá esperança (Lm 3.21), esquecendo-nos “das coisas que
atrás ficam, e avançando para as que estão adiante”, prosseguindo “para
o alvo pelo prêmio da vocação celestial de Deus em Cristo Jesus.” (Fp
3.13,14).
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