Hoje em dia, raras são as pessoas que não conhecem
alguém que esteja sofrendo com a depressão, fora as que estão sentindo
na pele a dor da enfermidade que entristece a alma. Em outubro do ano
passado tive o prazer de responder à jornalista Mércia Maciel, da
revista +Cristão, a quem quero agradecer publicamente, algumas perguntas
sobre um tema que tem sido um dos aspectos mais fortes do ministério
que Deus me confiou: Ajudar pessoas na luta contra a Depressão.
Nesta entrevista respondo sobre a depressão sob o ponto de vista
espiritual, sobre a abordagem que considero correta e sobre a forma que
as igrejas cristãs, em sua maioria, têm enfrentado o problema.
Creio que seja enriquecedor para todos. A seguir, a entrevista:
Márcia Maciel: Há uma percepção
equivocada, no meio cristão, de que depressão é fraqueza espiritual ou
mesmo falta de fé ou de confiança em Deus?
Denilson Torres: Sim.
De uma maneira geral, o meio cristão tem uma visão distorcida em
relação à depressão e isto termina estigmatizando e trazendo ainda mais
sofrimento ao que sofre com esta enfermidade. Depressão nem sempre é
sinal de fraqueza espiritual, de falta de fé ou de não confiar em Deus.
Há um grande equívoco quando consideramos o homem como um ser
compartimentado. Não somo apenas seres espirituais que habitam casulos
de carne. Biblicamente o homem é um ser integrado, onde corpo, alma e
espírito se integram e interagem. Aquilo que acontece com o corpo físico
ecoa no nosso espírito e o mesmo acontece no caminho inverso. A alma
humana é o resultado desta interação íntima entre corpo e espírito.
Portanto, toda e qualquer atividade humana na terra sempre terá sua
dimensão espiritual e física interagindo e existindo simultaneamente. Se
o homem fosse apenas um ser espiritual que habita um corpo, não haveria
a necessidade da ressurreição da carne. Assim sendo, quando falamos em
enfermidades, sejam elas quais forem, estamos falando de questões
físicas e espirituais que se interrelacionam na dimensão da alma humana.
Não é à toa que Jesus curou fisicamente cegos, leprosos e aleijados
apenas perdoando-lhes os pecados. Lucas 13:11-16 relata o caso de uma
mulher que andava a dezoito anos encurvada, provavelmente para a
medicina atual seria diagnosticada como portadora de problema de coluna,
mas Jesus revela que ela estava aprisionada por satanás. À luz dos
evangelhos podemos afirmar categoricamente que toda e qualquer
enfermidade tem uma dimensão espiritual que deve ser enfrentada. O
problema é que no meio cristão, apenas a depressão é tratada assim, e o
pior é que ainda por cima se retira dela o componente físico, sem
entender que o cérebro é um órgão tão concreto quanto o pulmão ou o
coração e, como tal, também adoece.
MM: Muitos crentes associam a depressão à luta espiritual e
creditam ao diabo a sua situação de letargia. Quando um crente deve
procurar ajuda psicológica? E como diferenciar se a depressão é causada
por uma situação espiritual mal resolvida e quando ela é fisiológica,
clínica?
DT: Como disse, toda e qualquer doença possui
uma dimensão física e uma dimensão espiritual. Não é diferente na
depressão. Sendo assim, uma enfermidade pode tanto ter origem nas coisas
do espírito, quanto originar-se nas questões de nosso corpo ainda não
redimido. Seja qual for a origem, física ou espiritual, a verdade é que
temos que tratar o indivíduo nas duas dimensões. Na dimensão espiritual,
através de oração, jejum, aconselhamento, busca de santificação,
leitura da Bíblia e disciplina no devocional diário. Na dimensão física,
o tratamento deve ser através de acompanhamento médico de um bom
terapeuta ou psicólogo, de preferência cristão, e psiquiatra.
A minha experiência tem demonstrado que, por incrível que pareça, as
depressões de origem espiritual, quando adequadamente tratadas, são mais
rapidamente resolvidas do que as de origem física. Normalmente, a
experiência de conversão por si só, já reverte boa parte dos casos de
depressão de origem espiritual. Quando não, um período de
aconselhamento, oração e busca de intimidade com Deus já dão excelente
resultados e, quando aliado a um tratamento médico, os resultados são
ainda mais rápidos e tendem a ser bastante duradouros. Esta constatação
ganha força quando entendemos que o nosso espírito já nasceu de novo em
Cristo e, portanto, está revestido de uma nova natureza que a nossa
carne ainda não adquiriu.
Já a depressão de origem física é mais complexa e requer mais
cuidado, normalmente ela se caracteriza por um viés crônico, semelhante à
diabetes ou hipertensão em que é necessário cuidado continuado e de
longo prazo. Quando a depressão é de origem física ela é como qualquer
outra doença, tanto pode ter uma cura milagrosa por Cristo, quanto pode
perdurar por uma vida. Assim como nem todos os cegos voltam a enxergar
depois de se converterem, assim também nem todos que sofrem de depressão
de origem física são curados. A boa notícia é que com os avanços da
medicina, toda pessoa que sofre com a depressão tem excelentes
perspectivas de obter vitória e ter uma vida produtiva, através de
acompanhamento e tratamento médico, sem deixar de lado, claro, o
acompanhamento e tratamento espiritual que irá ajudá-la a lidar melhor e
vencer as dificuldades que a enfermidade lhe impõe.
Em resumo, é relativamente simples identificar quando uma depressão
tem origem espiritual. Quando há conversão sincera, busca sincera e
santidade não fingida, toda depressão puramente espiritual é vencida em
relativamente pouco tempo, quando isto não acontece, a depressão é de
fundo fisiológico e a ajuda de um médico é importante e não deve ser
negligenciada.
MM: Maior problema com a depressão, além estado que ela
impõe, é o julgamento moral que fazemos dela. Isto porque por mais que a
pessoa saiba quais são as causas de sua depressão—seja ela química,
traumática, sistêmica, neurológica, ou até genética—ela trata o seu
próprio sentir “depressivo” como algo moralmente ruim. Como evitar o
linchamento moral que fazemos de nós mesmos?
DT: A culpa é um sentimento que acompanha de
perto a pessoa depressiva. É ela quem mais se cobra por estar assim.
Quando além de seu próprio sentir ainda encontra críticas de pessoas que
não entenda a situação a coisa se torna ainda mais séria. O linchamento
moral auto infligido é um dos aspectos mais danosos com que tem que
lidar. Veja uma frase que retirei de um e-mail que recebi: “
Como
deu para perceber, não nasci para o amor, nem para o sucesso, não tenho
dons espirituais, sou consideravelmente ridícula e não tenho amor
próprio. Finjo ser feliz para não chatear quem está do meu lado, mas não
sei se aguentarei isso muito tempo…”. Foram meses de trabalho
de aconselhamento para que ela pudesse reencontrar a autoestima, hoje
pela graça de Deus está casada, tem um filhinho lindo e conseguiu vencer
esta luta.
O importante para pessoas que estão com a sua autoestima baixa
provocada pela depressão é reafirmar o amor de Deus e encontrar apoio de
alguém que se importe, pois por suas próprias forças a tendência é que a
pessoa mergulhe ainda mais fundo na auto-depreciação. Matérias como
estas são fundamentais para preparar as nossas igrejas para serem estas
comunidades terapêuticas.
MM: É importante trabalhar as causas da depressão e não
apenas os sintomas. Como o cristão identifica essas causas, uma vez que
ele está mergulhado no problema e muitas vezes não o enxerga?
DT: Realmente, uma das primeiras coisas que
acontece com a pessoa acometida de depressão é a perda de referência em
relação aos acontecimentos e a si mesma. Deste modo ela se torna
extremamente vulnerável à opinião dos outros e o seu discernimento fica
comprometido. Daí a importância de ter uma pessoa a quem respeite a
opinião e que esta pessoa esteja preparada para lidar com a depressão.
Sem dúvida um pastor devidamente capacitado pode fazer enorme diferença e
ajudar de maneira decisiva. Eu tenho um caso para ilustrar isto:
Há algum tempo uma irmã me procurou, junto com seu esposo, se
queixando de tristeza e desânimo que não cessavam, quadro clássico de
depressão. Eu a conhecia e sabia da sinceridade de sua conversão.
Começamos um período de aconselhamento e oração de libertação com poucos
resultados. Identifiquei, então, que a causa de sua depressão era de
origem fisiológica e indiquei-lhe uma terapeuta cristã da minha inteira
confiança, a Dra. Rita Cytryn. Só que o tratamento medicamentoso leva
tempo até que o médico encontre o remédio e a dose ideal para o
paciente. Este período de avaliação e adaptação pode levar algum tempo
em que o quadro pode não ceder ou até acrescentar efeitos colaterais o
que dá ao paciente a sensação de que não está havendo progresso. Foi
exatamente isto que aconteceu com aquela irmã. Ao ver a demora nos
resultados parte da família e dos conhecidos dela começaram a pressionar
para que buscasse ajuda em cultos de libertação, pois interpretavam de
maneira totalmente equivocada: achavam que a demora na cura indicava que
era algo espiritual, quando era justamente o contrário. Como disse, a
pessoa que sofre de depressão fica muito sensível à opinião dos outros e
a irmã começou a duvidar. Eu sabia que se a deixasse ao sabor destas
correntes ela iria terminar vagando de culto em culto, de campanha em
campanha, de igreja em igreja, sem receber tratamento adequado. Foi aí
que intervim e disse: “Querida, se você acredita que Deus me levantou
como seu pastor, confie em mim e creia: se fosse espiritual, pelo que já
oramos e pela sua sinceridade no Senhor, Ele já lhe teria libertado. Eu
garanto que não há nada de errado com sua fé, apenas continue o
tratamento e creia que o Senhor vai lhe dar vitória”. Ela confiou e
continuou o tratamento. Hoje ela está muito bem, sempre com um sorriso
no rosto, apesar das lutas e dificuldades da vida, tem um enorme carinho
pela Dra. Rita e nosso vínculo de confiança se tornou mais profundo.
São essas coisas que fazem valer à pena ser pastor e mostram o quanto
o pastor pode ser veículo de cura ou de adoecimento. Uma má condução
pode levar uma pessoa até mesmo ao limite da sanidade, pois sentir que
está debaixo de uma opressão demoníaca que nem Deus é capaz de livrar é
infinitamente pior do que a própria enfermidade, pois faz a pessoa se
sentir culpada, pecaminosa, suja, amaldiçoada e desprezada por Deus.
Isto pode ser extremamente pernicioso para a fé. Infelizmente, muitos
cristãos e suas famílias têm sofrido com esta realidade.
MM: Davi esteve em depressão pelo forte sentimento de
culpa que o acometeu após praticar adultério. Pecados não confessados
também geram tristeza e depressão?
DT: Eu falei anteriormente que a depressão
espiritual é vencida em relativamente pouco tempo quando há conversão
sincera e busca por santidade. E é exatamente aí que muitas vezes as
coisas se complicam. Existem três fatores que podem fazer com que uma
depressão de causa espiritual se perpetue. A primeira é a falta de
conversão, e aí não falo apenas da decisão em um culto, ou do batismo
nas águas, mas sim de um encontro realmente visceral com Jesus. O
segundo fator que pode dificultar o processo de libertação de uma
depressão espiritual é a falta de perdão. Quando uma pessoa não consegue
liberar o perdão ela se encontra em prisões espirituais que só são
rompidas através da submissão a Deus para que o perdão seja exercitado. O
terceiro aspecto que pode dificultar é o pecado não confessado. No
Salmo 32 o salmista declara que enquanto não confessou o seu pecado
envelheceram seus ossos, seus gemidos eram constantes e seu vigor se
tornou em sequidão de estio. Ou seja, o cansaço, a prostração e a
tristeza tomaram conta de sua alma, não confessar o seu pecado lhe levou
a um quadro profundo de depressão. Nesses casos o aconselhamento
cristão é fundamental para ajudar a pessoa a identificar estes fatores e
com discipulado, oração e pregação da Palavra a conversão, o perdão e a
confissão dos pecados libertam a pessoa da prisão espiritual da
depressão. Este processo nem sempre é fácil, muitas vezes é doloroso,
mas com a condução do Espírito Santo a vitória transforma profundamente a
vida daquele que experimenta esta libertação. Algumas das experiências
mais profundas de fé aconteceram com pessoas que tiveram este confronto
com seus próprios fantasmas existenciais, a conversão do apóstolo Paulo é
um caso clássico.
MM: Na Bíblia, vemos o estado depressivo descrito também em Elias, Jonas, Jeremiase outros servos de Deus. Que conselho o senhor dá ao crente com depressão?
DT: A primeira e principal coisa é saber que
Deus se importa e que você é valioso para Ele. É fundamental saber
também que o cérebro é apenas mais um órgão do seu corpo e como tal ele
pode adoecer e deve ser tratado. Não se culpe por sofrer com a
depressão, ela não lhe faz menor que ninguém. Aquele que agora lhe
critica se sofresse desta enfermidade talvez não tivesse a força que
você tem tido para lutar e continuar vivendo, portanto não se deixe
levar pelas críticas e pela culpa. Procure se aproximar mais do Senhor e
deixe o Espírito Santo sondar seu coração. Libere o perdão a quem te
machucou e busque confessar seus pecados. Não tenha vergonha de pedir
ajuda, tanto médica quanto espiritual e jamais desista do amor de Deus.
MM: Outras considerações que quiser fazer.
DT: Eu gostaria de deixar uma mensagem aos
meus irmãos que foram chamados para a árdua e nobre tarefa de ser
pastor: Nunca percam de vista que o foco do seu ministério não é a
multidão, é o indivíduo. Sei que nos dias de hoje com o crescimento do
evangelho e com igrejas cada vez maiores é muito difícil atender a todos
com a mesma atenção, mas querido pastor não permita que isto lhe faça
perder o foco. Invista em mentoreamento e capacitação de sua liderança
para estar próximo das ovelhas que o Senhor lhe confiou. O depressivo
responde muito melhor quando tem atenção individual, sentir que alguém
se importa é um fator fundamental para o caminho de cura.
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