11.16.2011

Amor moderno e a internet























Amor moderno: mensagem instantânea,namorada instantânea

Durante muitos anos eu tive um problema nada comum entre os geeks da Internet; eu
tinha sucesso demais com as mulheres. Eu usava a Internet como um meio de
comunicação com mulheres que eu conhecera offline, para superar minha falta de jeito
e inventar relacionamentos românticos. Parece saudável? Não era. Comecei meu segundo ano na faculdade. Fui para uma daquelas grandes escolas
públicas do Leste que desova estudantes de uma forma que faria os industriais do
século XIX jogar seus chapéus para o ar e gritar um “hurra!” Mesmo nós, os
estudantes, nos víamos como uma turba anônima de subproletários, esperando pelo
próximo episódio de “American Idol” para nos liberar da dor de uma inexpressiva
existência. Eu era a raspa do tacho: gordinho, silencioso, um CDF penosamente desajeitado que se apegava ao seu livro de latim como se ele guardasse os segredos
da existência. A única boa coisa que me aconteceu naquele ano foi conhecer Chelsea. Nós conversamos durante uns quinze minutos sobre videogames, entre uma aula e
outra e naquela ocasião eu gastei quatro minutos e 59 segundos em pleno
nervosismo, pingando de suor e tentando engolir minha hesitação. Cada vez que eu tentava dizer alguma coisa interessante, minha frase se desfazia em
reticências invisíveis. Minhas palavras mais brilhantes se tornavam apáticas e as
minhas alusões culturais mais sofisticadas se desgastavam em um fluxo de citações
mal alinhavadas de “Jornada nas Estrelas”. Eu era o nerd por excelência com o problema nerd por excelência: não tinha o menor
carisma e sabia disso. Quando tocou a campainha para o início da aula, eu havia visto
a expressão favorável dela mudar horrivelmente para o olhar fixo de quem queria
estar a milhas de distância. Eu conhecia bem aquele olhar. Eu o havia visto antes nos olhos de cada uma das
pessoas confusas pela minha aparência ou com repulsa pelos meus modos. Eu precisava abandonar rapidamente a conversa e encontrar uma forma de salvar
meu ego ferido, então perguntei qual seu nome de usuário no serviço de mensagens
instantâneas. Depois de um angustiante momento, no qual eu fiz preces para cada um
dos deuses no panteão de “Dungeons & Dragons”, ela o entregou para mim, escrita na
embalagem de um doce. Quando foi embora, tive o que corresponde a um grande
ataque cardíaco em alguém com 16 anos. De volta para casa, vi-me olhando com o maior desânimo para o papel amassado, em
dúvida se deveria entrar em contato. Descendo as escadas para ir à toca no porão
onde ficava o meu computador, decidi que valia a pena tentar. O que era o pior que
podia acontecer? Eu podia fazer de mim um idiota e jamais ter a chance de vê-la de
novo. Sendo essa possibilidade insignificantemente diferente da situação na qual eu já me
encontrava, entrei no serviço e disse “olá” com um daqueles “emoticons” sempre
animados. Respirei profundamente, e me preparei para uma outra tormentosa jornada
em direção ao fracasso total. Foi então que uma coisa mágica aconteceu. Não sei o que foi exatamente. De algum ponto na vastidão da Internet, passei por uma
seqüência de transformações que foram o equivalente a um desenho animado infantil
japonês. Subitamente, passei de um sapo com excesso de peso e de roupa, para um
príncipe encantado, belo e entendido em tecnologia. Estando online eu podia me safar do turbilhão de nervos que antes me levara ao
fracasso. Assim que meus dedos tocaram as teclas, deixei de ser apenas mais um rosto
na imensa multidão. Com palavras na tela, eu jamais gaguejaria. Eu podia levar o tempo
que fosse preciso para pensar na resposta perfeita para qualquer assunto, e na
resposta perfeita para qualquer tipo de flerte. Enquanto conversávamos, pude sentir que ela foi ficando carinhosa comigo, suas
palavras mudando a meu favor, como um sorriso malicioso. Antes de encerrarmos
nossa segunda noite de conversas online, ela era minha namorada. Meu coração se
estremeceu quando vi sua mensagem com aquelas palavras junto de uma face
sorridente: “Você gostaria de sair comigo?” Fui fisgado. Era como se a Internet me permitisse transformar o flerte e sedução em
um videogame. Mas não sei se os meus atrativos mostrados pela Internet eram apenas
um acaso ou se eram reais. Eu queria – não, eu precisava – saber se aquela pessoa
interessante na qual eu me transformara enquanto meus dedos acariciavam o teclado
era eu mesmo na realidade. Então, com uma determinação científica que era propriedade apenas de físicos e
paladinos de estágio 80, marquei como meta repetir o meu sucesso. Eu não queria
apenas uma outra namorada, mas sim a certeza que viria com a possibilidade de
conseguir uma nova namorada. Poucos dias depois conheci Rachel no almoço e após uma rápida conversa, consegui
seu nome de usuário no sistema de mensagens instantâneas. Depois de dois dias, ela
também queria marcar um encontro comigo. Comecei a identificar um padrão. Quanto
mais mulheres eu seduzia, mais conseguia me distanciar da minha identidade de
derrotado e tornar-me o “supercool” Casanova cibernético que eu achava que merecia
ser. Repeti varias vezes o feito. Em cinco minutos eu conseguia convencer uma garota a
me fornecer seu nome de usuário e uma semana depois eu podia convencê-la a sair
comigo. Até o fim do ano, eu tinha seis namoradas simultaneamente, todas mantidas
por meio de um complicado sistema de mensagens instantâneas, e-mails e encontros
rigidamente orquestrados. Algumas dessas namoradas eram tão nerds quanto eu, enquanto outras eram líderes
de torcida e estudantes de escolas preparatórias, mas os detalhes interessavam menos
que o entusiasmo de simplesmente ser capaz de fazer com que uma garota gostasse
de mim, uma depois da outra, e depois manter essa atração. Geralmente eu conversava online com cinco garotas ao mesmo tempo, cada conversa
com um flerte diferente (um sobre trocadilhos, outro sobre filosofia); era como
equilibrar pratos. Muitas daquelas garotas eu jamais encontrara pessoalmente, mas
tínhamos profundos e estáveis relacionamentos online. Também tive encontros com
umas poucas selecionadas; cinemas e museus, jantar e dançar, e tudo o mais que eu
achei que os casais de adolescentes fariam. Cada encontro era cuidadosamente planejado para não cruzar com nenhuma outra garota. Nada era um desafio grande demais. Primeiro eu conquistei a namorada de meu
melhor amigo e quando nós terminamos, conquistei sua nova namorada. Eu tinha uma
namorada em Nova York e uma na Filadélfia. Tinha uma namorada que conheci em um
trem e uma garota que conheci num clube noturno. Tinha uma republicana e uma
democrata, uma artista e uma engenheira, uma cristã e uma atéia. Cada uma delas achava que eu era dela e eu estava tão enredado na emoção de tudo
aquilo que não sentia a menor pontada de culpa. Minha vida amorosa era uma
tecnologia que eu havia aprendido na prática e dominado; tudo que eu precisava fazer
era pressionar os mesmos botões na ordem correta todas as vezes, e os segredos do
amor fluíam de lá. A Internet era mais que apenas uma linha direta com o mundo. Ela se transformara em
um veículo para o meu desejo de ser amado. Continuei com a minha encenação por três anos e minha sensação de desafio
desvaneceu-se assim como meu cinismo aumentou. Numa noite de domingo, no meu
último ano na faculdade e eu voltava do cinema onde fora com uma das minhas
namoradas quando meu telefone informou que eu tinha uma nova mensagem de
texto. Era de Amber, a garota com a qual eu ficara mais tempo: “Eu te amo.” Eu te amo. Essas três palavras me causaram um choque de arrependimento. Eu não a amava; na
verdade amor jamais fizera parte da equação para mim. Com a ajuda do meu
computador eu conseguia seduzir garotas com as quais eu nem conseguiria falar
pessoalmente, mas quantidade alguma de “smileys”, palavras ou LOLs poderiam me
fazer amar alguém que eu não amava. Meu poder de sedução era real, mas meu afeto
era fictício. Percebi que eu precisaria desfazer o que havia feito antes que perdesse o rumo
quanto ao que realmente era importante para mim e para as pessoas que eu havia
enganado. Lidei com isso da maneira mais difícil. Sentei-me à frente de meu computador e
comecei a romper relacionamentos, digitando muitas vezes aquelas três horríveis
palavras: “Nós precisamos conversar”. Senti alívio quando acabei com as mentiras. Nos próximos meses a minha vida dedicou-se a uma série de rompimentos, um depois
do outro, ao mesmo tempo em que eu limpava o meu harém na lista de contatos, de
19 relacionamentos falsos. Às vezes eu rompia com elas, às vezes elas terminavam
comigo. O resultado era o mesmo: liberdade. Mas se a Internet havia acelerado a minha
entrada em tais relacionamentos, sair deles foi uma agonia que levou muito tempo. Quando dois nerds rompem pessoalmente, a ameaça de contato visual geralmente
encerra a conversa em minutos. É doloroso, mas pelo menos é rápido. Quando dois
nerds rompem pelo telefone, isso pode levar até uma hora. Com o e-mail ou
mensagens instantâneas, o embate pode durar mais que uma edição especial do filme
“Senhor dos Anéis”. Passavam-se eternidades enquanto eu aguardava os significativos
silêncios entre cada frase. Isso levou muito tempo. Mas não encare essa minha história como um alerta. Eu estava cego pela crença
comum de que de certa forma um relacionamento criado na Internet não era real.
Quando eu vi aquele mal-fadado torpedo – “Eu te amo” – percebi a verdade. A Internet
não é um lugar em separado do mundo real para onde uma pessoa pode ir. A Internet
é o mundo real. Apenas mais rápido. Quando saí da faculdade naquele outono, senti como se estivesse saindo para a luz do
sol depois de anos no escuro. Eu poderia ter um novo começo junto de centenas de
outras pessoas que estavam prontas para assumir seus papéis na vida real. Eu poderia
me afastar das mentiras que coloquei na tela do computador, poderia encontrar uma
forma tanto de ser atraente como verdadeiro para a pessoa que eu realmente sou. Meses depois conheci Lara numa exibição de meia-noite de “The Rocky Horror Picture
Show.” Ela ficou sentada ao meu lado bastante tempo depois que o filme havia
terminado, enfrentando o cansaço e uma cadeira grudenta só para ficar comigo. “Aqui está”, ela disse agindo daquela forma sutil à qual as garotas recorrem quando
estão interessadas, mas não querem tornar isso óbvio. Na sua mão estava um pedaço
de papel. “Essa é a minha identidade no serviço de mensagens.” Sorri para ela. “Obrigado”, eu disse. “Você será a única na minha lista de contatos.

por: Roger Hobbs
Tradução: Claudia Dall’Antonia

Amo FAMILIA / Portal Padom

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