11.18.2012

O relato de um fotógrafo na guerra civil da Síria

Agosto foi o mês com o maior número de mortes na Síria desde o início do levante armado contra a ditadura Assad - e não há bonzinhos nessa história. Em VEJA desta semana, o fotógrafo Adam Dean relata, de Alepo, que nada é pior para os civis do que os bombardeios aéreos ordenados pelo governo.









EXECUTADOS - O último massacre, no dia 25, em Daraya, nos arredores de Damasco, fez centenas de vítimas, entre as quais diversas crianças. Na foto, sete dos mortos são preparados para o funeral


EXECUTADOS - O último massacre, no dia 25, em Daraya, nos arredores de Damasco, fez centenas de vítimas, entre as quais diversas crianças. Na foto, sete dos mortos são preparados para o funeral




Os rebeldes pouco podem fazer contra os bombardeios aéreos, já que não possuem armamento adequado. Abdulqadr Saleh al Hajji, que usa o nome de guerra Hajji Mari, comandante da Brigada da União, responsável pela tomada de Alepo, ironiza as promessas do governo dos Es-tados Unidos e da Inglaterra de oferecer ajuda “não letal” aos rebeldes. “O que têm a nos oferecer contra esses ataques aéreos são ‘equipamentos de comunicação’? Que utilidade isso pode ter para a situação que vivemos aqui?”, diz Hajji, um comerciante de sementes de 32 anos sem experiência militar prévia. Ele é sunita e muito religioso, mas em nenhum momento deixou transparecer o desejo de fazer uma guerra santa contra as minorias do país. Seu objetivo é derrubar o “velho regime” e o clã Assad. Esse pequeno exemplo, porém, não serve para descartar os temores de que a guerra se torne um conflito de contornos sectários. Por enquanto, as forças rebeldes aceitam qualquer um que queira se juntar à sua luta. Mas basta dizer que a Força Aérea Síria confia seus caças apenas a pilotos alauitas, a mesma facção religiosa de Assad, para entender como as rixas religiosas podem determinar os rumos do conflito.
Ninguém consegue mais se manter neutro ou imune aos horrores da guerra. Nem a classe média urbana, nem os habitantes de cidades humildes como Tal Refaat, 40 qui-lômetros ao norte de Alepo, onde testemunhei o funeral de Ayman Alito, de 25 anos, morto por um estilhaço na cabeça enquanto lutava ao lado de outros rebeldes no subúrbio de Salaheddin, em Alepo. O jovem vendia galinhas antes de ver as primeiras fotos de soldados atirando contra manifestantes no sul da Síria, e decidiu se juntar aos protestos contra Assad. Acabou preso. Na cadeia, foi espancado e teve a mão esmagada. “Ele não era um homem instruído, nem se interessava por política, mas viu as matanças na televisão e quis fazer algo”, diz seu primo Mahmoud. Na casa da família, a mãe de Ayman e outras mulheres choraram sobre o defunto antes que ele fosse levado pelos homens para a mesquita. Em respeito ao sangue derramado em combate, o corpo de Ayman não foi lavado, como seria o costume. O funeral foi apressado porque os caças começaram a sobrevoar a cidade. Um dia como tantos outros na rotina dos sírios.

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